Pouco importa o que achamos, temos que entender o que trabalhador está sentindo
Nesse final de semana participei da segunda fase do RenovaBR. No final do segundo dia decidimos ir para um bar próximo da Rua Augusta. Dividimos o grande grupo em pequenos grupos de quatro pessoas para pedir e rachar o Uber (ou qualquer outro aplicativo de transporte).
Fui eu quem pedi o veículo e como sou alto, fui na frente. Em questão de segundos entre entrar no carro e colocar os cintos, alguém comentou que era de alguma cidade de Minas Gerais. Logo o motorista, que irei chamá-lo de João, perguntou:
– Não foi lá que nosso presidente tomou a facada?
– Não, foi em Juiz de Fora – respondi, sem prestar muita atenção na palavra “nosso”, mas identificando uma possível simpatia dele pelo nosso presidente.
Assim que começamos a andar, meus colegas de viagem continuaram sua conversa sobre a esquerda, partidos políticos e as eleições deste ano. Eu iniciei uma conversa com o João.
– A gente tá participando de um evento de política. É uma escola de formação política para quem quer ser candidato. Tá sendo aqui nesse prédio e tem gente de tudo quanto é partido – conclui.
Ele respondeu algumas amenidades e em seguida me perguntou:
– Como você acha que tá o Brasil agora? Tá melhorando né?!
Eu não queria iniciar uma briga, mas também não queria perder a oportunidade de conhecê-lo. Quase sempre quero saber o que levou a pessoa a dirigir um Uber, qual sua formação, histórico de vida e tudo mais. Então, fiz o que todo político sabe fazer, dei uma resposta longa mudando o foco do assunto, entretanto, tentei entregar informações e ideias que fizessem com que ele mesmo formasse uma opinião sobre aquilo. Ao invés de pensar no agora, curto prazo, levei a conversa para os últimos 30 anos.
– Sim, no longo prazo, estamos melhores – respondi.
Comentei que durante o dia um dos palestrantes fez uma dinâmica interessante. Começou perguntando, “quem aqui os avós fizeram faculdade?”, uma pessoa levantou a mão. “Quem aqui os pais fizeram faculdade?”, umas seis pessoas levantaram a mão. “E, quem aqui fez faculdade?”, todos levantamos a mão. Em seguida, perguntei:
– E você, fez faculdade? – perguntei. E aqui começa o que realmente importa dessa história.
Sim, o João fez faculdade. Estudava em uma faculdade particular à noite e trabalhava durante o dia. Ele mesmo pagava a mensalidade. Não fez Prouni e nem teve FIES. Ele é morador do Capão Redondo, um bairro da periferia de São Paulo. Ele continuou me contando sobre a vida dele. Sua família sempre conviveu com a criminalidade, eles tinham que ajudar os traficantes da região, nas palavras dele: eles eram reféns dos traficantes. Vários amigos foram para o crime, alguns estavam presos e outros mortos. Ele tinha orgulho de ter conseguido estudar e trabalhar, agora ele tinha carteira assinada e fazia Uber para complementar a renda.
O João nasceu em uma família pobre. Cresceu em um bairro pobre. Conviveu com a violência e não teve as mesmas oportunidades que você e eu. Acreditou em si próprio, no seu esforço e assim conquistou o que desejava.
Eu não concordo totalmente com esse discurso, mas é assim que ele se sente e é isso que devemos entender. Pouco importa o que achamos, temos que entender o que o João, a Maria e todo trabalhador está sentindo.
Curioso eu passar por isso exatamente na semana que o PT completa 40 anos. Algum ex-dirigente do partido em entrevista disse, “Não podemos reproduzir cânones antigos. O mundo mudou, a sociedade mudou”. As relações de trabalho mudaram (o que não quer dizer que devemos aceitá-las), o trabalhador mudou e os eleitores mudaram. O João é um trabalhador e, pelo que tudo indica, votou no Bolsonaro.
Eu estava com meu broche do PT no peito. Talvez ele não tenha visto, mas se viu, não deu importância. Da mesma forma que não dei importância em quem ele votou. O que realmente importa é nos relacionarmos como uma sociedade, confiar um no outro outro e assim tenta avançar.
Quando chegamos no destino, ele apertou minha mão, agradeceu a corrida e me desejou sucesso na minha caminhada.
Luciano Queiroz
Doutorando em Microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Dragões de Garagem