Árvore da vida. Provavelmente você já viu, ouviu ou leu sobre isso em algum lugar. Mas você já se perguntou como elas são feitas?
A ideia de uma árvore filogenética é bem intuitiva (figura 1). O ramo principal é uma espécie em um determinado momento da história, e por algum motivo (spoiler: especiação) surgem outras duas espécies a partir dela. Em outras palavras, a espécie do ramo central tem uma relação de parentesco com as espécies nos novos ramos. Essas novas espécies, especialmente num primeiro momento, devem possuir características físicas, genética e comportamentais parecidas, já que foram herdadas da espécie do ramo principal. Nós cientistas apenas relacionamos essas características e tentamos encontrar relações de parentesco entre elas.
Normalmente criamos árvores de parentesco para pequenos grupos. Podemos tomar o grupo dos primatas como exemplo, nos localizando como hominídeos dentro desse grupo maior. Além do gênero Homo, também pertencem a essa família os gêneros ainda não-extintos Pan, Gorilla e Pongo (figura 2). Os chimpanzés e bonobos (ambos do gênero Pan) formam o grupo irmão dos humanos. Todos tiveram um ancestral comum imediato e compartilham características. Encontrar semelhanças entre nós e os chimpanzés é relativamente fácil, entretanto, encontrar semelhanças entre: humanos, baleias, aves, lagartos, sapos, peixes, insetos, moluscos, anêmonas, esponjas, algas, cianobactérias, e uma infinidade de outros seres vivos, é mais complicado. O nosso objetivo ao construir uma árvore da vida é encontrar semelhanças entre TODOS os seres vivos da Terra. Não é uma tarefa fácil.
Durante muito tempo propusemos algumas ideias para explicar o parentesco entre os grandes grupos de seres vivos. A mais clássica delas e que estudamos até hoje nos livros didáticos é a classificação nos 5 reinos: Monera, Protista, Plantae, Fungi e Animalia. No ano de 1977 essa ideia dos 5 reinos foi questionada pelos cientistas Carl Woese e seus colaboradores, ao descobrirem a existência de um novo ser vivo que eles chamaram de Archaebacteria. Em 1990, Carl Woese e outros dois cientistas, propuseram uma nova classificação mais abrangente para os seres vivos: os domínios, sendo eles Bacteria, Archaea e Eukaryota. Fizemos uma boa discussão sobre os domínios da vida no episódio 15 do Dragões de Garagem.
Voltando a pergunta inicial do texto, como uma árvore da vida é construída? A procura por características semelhantes entre os seres vivos atualmente ocorre, principalmente, pela seleção de genes centrais. Esses genes são responsáveis pela codificação de proteínas essenciais para o metabolismo do organismo e são encontrados em vários seres vivos de todos os domínios da vida. Além do genes centrais são utilizados alguns outros genes que auxiliam na procura pelas semelhanças.
Sabemos que as primeiras formas de vida que surgiram em nosso planeta, datadas com mais de 3,5 bilhões de anos, eram bactérias, pertencentes ao domínio da vida Bacteria. Um grupo dentro de Bacteria teria dado origem aos outros dois domínios da vida, Archaea e Eukaryota. E é nessa questão que muitos cientistas evolutivos atualmente estão focados em encontrar respostas.
Existem duas hipóteses para explicar a origem dos domínios Archaea e Eukaryota, a primeira chamada de “Hipótese dos três-domínios”, explica que Archaea e Eukaryota teriam surgido em momentos semelhantes a partir de um ancestral comum Bacteria, ou seja, os dois domínios seriam grupos irmãos (figura 3A). A segunda hipótese, chamada de “Hipótese Eocyte”, considera que o domínio Eukaryota surgiu de um ancestral Archaea (figura 3B).
As arqueias são pouquíssimas conhecidas, até o momento não sabemos de nenhuma doença causa por elas em animais ou plantas, ou seja, não estão na mídia ou no imaginário humano como suas irmãs bactérias (figura 4). Mas existem arqueias em todos os cantos do mundo, desde o fundo do mar até desertos. Pode parecer estranho mas as arqueias têm muitas características semelhantes aos eucariotos. As proteínas componentes do citoesqueleto (estrutura responsável por manter a forma das células), actina e tubulina são encontradas em alguns grupos de Archaea e em todos os Eukaryota. Algumas arqueias não possuem essas estruturas o que as colocam mais próximas das bactérias do que dos eucariotos (Euryarchaeota, figura 3B). Segundo a hipótese Eocyte, o domínio Eukaryota, do qual fazemos parte, seria originado a partir de uma arqueia que sofreu simbiose e modificou-se ao longo do tempo.
Desde a criação dos três domínios da vida, a hipótese mais aceita era a dos três-domínios. Atualmente, com o avanço das técnicas moleculares para análises de sequências de DNA, RNA e proteínas, têm-se encontrado evidências que apontam fortemente para a segunda hipótese. Caso essa hipótese seja confirmada, os tão famosos três domínios da vida seriam reduzidos para apenas dois: Bacteria e Archaea. Ou talvez seja criado um novo nome para esse grupo. No final das contas todos nós seriamos arqueias, um golpe e tanto para seres tão preocupados com sua posição central de importância no mundo.
Inspirado pelo Stephen Jay Gould em seu fantástico texto de 1996, “Planet of the Bacteria”, no qual ele diz: “Agora, nós vivemos na idade das bactérias. Nosso planeta sempre esteve na idade das bactérias […]”, concluo dizendo que para mim, é um prazer enorme viver em tão boa companhia.
Luciano Queiroz é mestrando em Microbiologia pela Universidade de São Paulo e host do podcast Dragões de Garagem. Atualmente feliz por estar terminando de escrever sua qualificação e ainda sobrar tempo para falar de ciência de forma descontraída.
Mais informações:
Esse texto foi inspirado em uma revisão publicada recentemente na revista Nature:
Williams, T. A., Foster, P. G., Cox, C. J., & Embley, T. M. (2013). An archaeal origin of eukaryotes supports only two primary domains of life. Nature, 504(7479), 231–236. doi:10.1038/nature12779
Texto do Stephen Jay Gould, “Planet of the Bacteria”
Episódios do Dragões de Garagem:
#4 – Simbiose, ou uma história sobre má digestão
#9 – Taxonomia, ou sobre inventar nomes malucos
#15 – Domínios da Vida
#19 – Descoberta do DNA
#21 – Fotossíntese
Agradecimentos a André Pulschen pelos excelentes desenhos das árvores filogenéticas. Ao Lucas Camargos e a Mariana Fioravanti pela leitura e críticas enriquecedoras ao texto.