Para os amantes da literatura fantástica, o nome Tolkien dispensa apresentações. Para aqueles que não o conhecem, John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973) foi um autor nascido na África mas que viveu sua vida toda na Inglaterra. É mundialmente conhecido por ter escrito O Hobbit e a trilogia O Senhor dos Anéis.

Tolkien detestava o “mundo urbano”, preferindo a tranquilidade dos campos ingleses e seus bosques repletos de árvores centenárias. Em decorrência deste amor à natureza, as obras de Tolkien estão repletas de referências aos seus gostos pessoais e as plantas formam um atributo significativo em seus livros.

Tolkien relaxando sob diversas árvores. De cima pra baixo, da esquerda pra direita: 1. Por Billett Potter, ano e local desconhecido. 2. Autor, ano e local desconhecidos. 3. Por Michael Tolkien, Oxford Botanical Gardens, 9 de Agosto de 1973 (Possivelmente última fotografia de Tolkien vivo). 4. Por Lord Snowdon, Branksome Chine, 25 de Maio de 1971.

Figura 1 – Tolkien relaxando sob diversas árvores. De cima pra baixo, da esquerda pra direita: 1. Por Billett Potter, ano e local desconhecido. 2. Autor, ano e local desconhecidos. 3. Por Michael Tolkien, Oxford Botanical Gardens, 9 de Agosto de 1973 (Possivelmente última fotografia de Tolkien vivo). 4. Por Lord Snowdon, Branksome Chine, 25 de Maio de 1971.

Na mitologia de seu mundo, narrada em O Silmarillion, obra póstuma publicada por seu filho Christopher Tolkien, há diversas referências a grandes árvores, algumas altas como montanhas.

Segundo “a bíblia do mundo Tolkeniano”, no começo dos tempos havia um deus único chamado Eru Ilúvatar e este criou os Valar, os Poderes do Mundo. Estes seres poderosos ajudaram a criar Arda (nome ao qual os elfos se referem à Terra) e tudo que nela habita, com exceção dos Homens e Elfos. Estes surgiram somente da mente de Eru. Cada Vala possuía uma característica própria, um domínio ao qual possuía mais afinidade. Havia Manwë, o senhor dos ares e ventos, Ulmo, senhor das águas e Aulë, senhor das terras. Yavanna Kementári era a esposa deste último e era conhecida como a Provedora dos Frutos. Dizem que:

“Ela ama todas as coisas que crescem na terra, e guarda na mente todas as suas incontáveis formas, das árvores semelhantes a torres nas florestas primitivas ao musgo sobre as pedras ou aos seres pequenos e secretos que vivem no solo. Há quem a tenha visto em pé como uma árvore sob o firmamento, coroada pelo Sol; e, de todos os seus galhos, derramava-se um orvalho dourado sobre a terra estéril, que se tornava verdejante com o trigo; mas as raízes das árvores estavam nas águas de Ulmo, e os ventos de Manwë falavam nas suas folhas. Kementári, Rainha da Terra, é seu sobrenome na língua eldarin”.

Podemos observar aqui a importância tão grande dada às árvores por Tolkien. Estas referências, possivelmente partiram das inspirações que o autor possuía na língua e cultura nórdica, que lhe eram muito queridas. Na mitologia dos povos da Escandinávia, todo o universo era suportado por uma colossal árvore, conhecida como Yggdrasil. Os antigos vikings, por mais sanguinários que possam parecer, possuíam um respeito bem maior pelas florestas do que temos hoje. Se víssemos um nórdico abraçando uma árvore não seria tão chocante assim!

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Figura 2 – Concepções gráficas de Yggdrasil, a árvore que sustenta o mundo, segundo a mitologia nórdica.

Nos primórdios de Arda, os astros celestes ainda não existiam. O mundo era recoberto por uma névoa. Para tanto, os Valar criaram no princípio duas grandes lamparinas para iluminar o mundo. Por muitas eras as terras eram iluminadas deste modo. Porém, o Grande Inimigo do Mundo, Melkor, destruiu as torres que suportavam as lamparinas, mergulhando o mundo numa escuridão novamente. Deste modo, Yavanna, tomou uma atitude e decidiu criar duas espetaculares criaturas.

“[…] E enquanto olhavam, sobre a colina surgiram dois brotos esguios; e o silêncio envolveu todo o mundo naquela hora, nem havia nenhum outro som que não o canto de Yavanna. Em obediência a seu canto, as árvores jovens cresceram e ganharam beleza e altura; e vieram a florir; e assim, surgiram no mundo as Duas Árvores de Valinor. De tudo o que Yavanna criou, são as mais célebres, e em torno de seu destino são tecidas todas as histórias dos Dias Antigos”.

Estas duas árvores iluminavam, através de suas flores, toda a terra de Valinor, a morada dos Valar. Podemos imaginar como seriam tais vegetais através da descrição que Tolkien realizou.

“Uma tinha folhas verde-escuras, que na parte de baixo eram como prata brilhante; e de cada uma de suas inúmeras flores caía sem cessar um orvalho de luz prateada; e a terra sob sua copa era manchada pelas sombras de suas folhas esvoaçantes. A outra apresentava folhas de um verde viçoso, como o da faia recém-aberta, orladas de um dourado cintilante. As flores balançavam nos galhos em cachos de um amarelo flamejante, cada um na forma de uma cornucópia brilhante, derramando no chão uma chuva dourada. E da flor daquela árvore, emanavam calor e uma luz esplêndida. Telperion, a primeira, era chamada em Valinor, e Silpion, e Ninquelótë, entre muitos outros nomes; mas Laurelin era a outra, e também Malinalda e Culúrien, entre muitos outros nomes poético”.

Vocês conseguem imaginar como seriam belos tais vegetais? Das inúmeras plantas que observei e ainda observo em minha vida acadêmica, vez ou outra me deparo com alguns espécimes que fico embasbacado pela admiração que me causa. Digo isso pois algumas vezes consigo vislumbrar como seriam de verdade árvores tão grandiosas como aquelas descrita por Tolkien. Claro que não há uma planta que possa se aproximar de algum imaginário e ideal, mas podemos tentar!

Telperion, a primeira planta, possui uma luz prateada e a terra sob sua copa era manchada pelas sombras de suas folhas. Talvez por conta desta descrição imagino que Telperion possua um ar mais solene e lúgubre. Associo bastante estas características com o Salgueiro-branco (Salix alba L. – Salicaceae (Europa) e também com as gimnospermas Cipreste-chorão (Cupressus funebris Endl. – Cupressaceae (China) e o pinheiro-larício (Pinus nigra J.F. Arnold – Pinaceae (Europa). Aliás, esta última era a árvore preferida de Tolkien dos Oxford Botanical Gardens.

Figura 3 - Árvores que poderiam representar a majestosa Telperion. A. Salgueiro-branco (Salix alba). B. Cipreste-chorão (Cupressus funebris). C. Pinheiro-larício (Pinus nigra)

Figura 3 – Árvores que poderiam representar a majestosa Telperion. A. Salgueiro-branco (Salix alba L.). B. Cipreste-chorão (Cupressus funebris Endl.). C. Pinheiro-larício (Pinus nigra J.F. Arnold).

Infelizmente, a parte de baixo das folhas destas espécies não é prateada, como é descrito no livro. Mas existem diversas folhas, em outras espécies de plantas em que este fenômeno ocorre. Inclusive, a samambaia-prateada (Cyathea dealbata (G. Forster) Swartz – Cyatheaceae) é a planta-símbolo da Nova Zelândia. Os habitantes nativos das ilhas neozelandesas, os Maori, utilizavam esta planta como marcadores naturais nas florestas para traçar o caminho quando faziam investidas noturnas, pois a sua face prateada reflete a luz da lua.

Confira outras plantas que possuem suas folhas argênteas.

Figura 4 - Folhas argênteas (prateadas) encontradas em diversas espécies. A. Dyckia argentea Mez (Bromeliaceae (Brasil). B. Terminalia argentea Mart. (Combretaceae – América do Sul). C. Cyathea dealbata (G. Forster) Swartz. (Cyatheaceae – Nova Zelândia) D. Centaurea cineraria L. (Asteraceae – Europa).

Figura 4 – Folhas argênteas (prateadas) encontradas em diversas espécies. A. Dyckia argentea Mez (Bromeliaceae (Brasil). B. Terminalia argentea Mart. (Combretaceae – América do Sul). C. Cyathea dealbata (G. Forster) Swartz. (Cyatheaceae – Nova Zelândia) D. Centaurea cineraria L. (Asteraceae – Europa).

Laurelin pode ser descrita por mim como uma árvore deslumbrante e iluminada. Sua florada amarela me enche a imaginação de diversas árvores possíveis. Mas dentre todas estas, escolho uma em particular, pois os cachos pendentes de suas flores amarelas remetem, e muito, a descrição original de Tolkien. Popularmente chamada de Chuva-de-ouro, tem como nome científico Cassia fistula L. (Fabaceae) e é bastante utilizada na ornamentação no Brasil.

Figura 5 - Cassia fistula L. A. Hábito e B. Inflorescência. Repare nas inflorescências formando a cornucópia descrita por Tolkien.

Figura 5 – Cassia fistula L. A. Hábito e B. Inflorescência. Repare nas inflorescências formando a cornucópia descrita por Tolkien.

E mais uma vez minha imaginação divaga, quando vejo o dourado surpreendente das inflorescências que o Capim-Dourado (Syngonanthus nitens (Bong.) Ruhland – Eriocaulaceae) oferece. Esta erva cresce somente numa área do Brasil, na região do Jalapão, no leste do estado do Tocantins. Esta é a cor que possivelmente emanava das folhas e flores de Laurelin!

Figura 6 - Capim dourado (Singonanthus nitens). A. O vegetal seco possui um brilho dourado muito característico. B. As hastes que sustentam as inflorescências são utilizadas por artesãos locais para confecção de diversos produtos

Figura 6 – Capim dourado (Singonanthus nitens (Bong.) Ruhland). A. O vegetal seco possui um brilho dourado muito característico. B. As hastes que sustentam as inflorescências são utilizadas por artesãos locais para confecção de diversos produtos.

A história da criação destas árvores vocês já conhecem. Infelizmente, o inimigo do mundo, Melkor, mais uma vez não ficou satisfeito com tamanha beleza e as destruiu num ato cruel e selvagem. Após a aniquilamento destes monumentais seres, os valar tentaram curar o ferimento mortal mas nem todo os poderes foram capazes de revivê-las. Quando todas as esperanças já estava perdidas, Telperion criou um último galho com uma flor prateada e Laurelin produziu um derradeiro fruto de ouro. As luzes das árvores sobreviveram e foram inseridas em recipientes e colocadas para transitarem ao redor do mundo. Assim, surgiram a lua e o sol e houve luz novamente em Arda.

E aí, concordam com minhas analogias às árvores de Valinor ou em sua imaginação eram totalmente diferentes?

 

Texto por Marcos V. D. Queiroz, sempre tentando deixar a botânica mais atraente para seus alunos.

Referências

Hazell, D. (2007). The Plants of Middle-Earth: Botany and Sub-creation (p. 124). Kent: Kent State Univ Pr.

Tolkien, J. R. R. (1998). O Hobbit (p. 297). São Paulo: Martins Fontes.

Tolkien, J. R. R. (2000a). O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (p. 464). São Paulo: Martins Fontes.

Tolkien, J. R. R. (2000b). O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (p. 456). São Paulo: Martins Fontes.

Tolkien, J. R. R. (2002). O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (p. 552). São Paulo: Martins Fontes.

Tolkien, J. R. R. (2003). O Silmarillion. São Paulo: Martins Fontes.