As primeiras semanas do governo interino não têm sido nada boas para nós cientistas. Com certeza vocês ficaram sabendo da PEC65 que, se aprovada, praticamente acabará com o licenciamento ambiental. Também ficaram sabendo dos vetos ao Marco Legal da Ciência e com certeza ficaram sabendo da fusão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MTCI).

Não é novidade nenhuma para quem me acompanha que enveredei para questões políticas, ainda mais as relacionadas à ciência. Quem acompanha minhas redes sociais ficou sabendo da minha ida à Brasília no dia 24/05 para participar da audiência pública sobre a fusão do MCTI que aconteceu na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado. Essa audiência foi requerida por vários senadores e cientistas representantes dos principais órgãos científicos foram convidados para participar, como a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso Científico (SBPC), Helena Nader. Assistam a audiência completa pelo canal da TV Senado no Youtube.

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Participantes da mesa durante a Audiência Pública no CCT. Da esquerda para direita: Gustavo Henrique de Sousa Balduíno (Andifes), Helena Nader (SBPC), Lasier Martins (Presidente do CCT), Elívio Leopoldo Filho Rech (ABC) e Manoel Santana Cardoso (Confap). (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

Vocês podem ficar se perguntando por que a fusão do MCTI é ruim sendo que todos estão falando que precisamos cortar gastos, o Brasil está extremamente endividado e os cortes e fusões de ministérios são ótimos para enxugar a máquina publica. Desse argumento só concordo com o fato de que devemos cortar gastos. O problema é como cortar. Não é fundindo dois ministérios importantíssimos e extinguindo algumas secretarias que iremos resolver nossos problemas orçamentários.

Preciso me desviar um pouco do que aconteceu na audiência em si e falar de economia para vocês entenderem melhor a importância do MCTI. Pensando de forma bem simples como funciona nossa economia, por favor amigos economistas, não me julguem por causa disso. Precisamos arrecadar mais do que consumimos, entretanto o que aconteceu nos últimos anos é que começamos a consumir muito mais do que arrecadamos. Existem vários motivos para nossa arrecadação ter diminuído, sendo que o principal foi a queda nos preços das commodities: soja, etanol, minério de ferro, petróleo e carnes, principais produtos de exportação brasileiros.

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Petróleo: uma das principais commodities brasileiras que teve uma grande queda no valor. Sendo agravador por má gestão e escândalos de corrupção (Operação Lava Jato). (Foto: Wikipedia)

Se o meu produto está com preço baixo e não vale tão a pena vendê-lo, a melhor opção é comercializar outro produto ou a minha “loja” vai quebrar. Mas, pensando no Brasil, como poderíamos comercializar outros produtos sendo que a única coisa que sabemos fazer é desmatar para plantar soja e para extrair ferro? A resposta é simples: CIÊNCIA. Investindo em ciência poderemos criar novos produtos, patentes, medicamentos, tecnologia e, pasmem, criar novas tecnologias que melhorem a produção agrícola, a exploração de minerais e extração de petróleo em água profundas. Além disso, poderíamos exportar tecnologias desenvolvidas no Brasil, acrescentando valor ao produto que estamos comercializando, algo que os países desenvolvidos fazem muito bem e até hoje não aprendemos.

Durante a crise mundial que iniciou em 2008, uma das estratégias adotadas pelo EUA para sair da crise foi investir em ciência e tecnologia. Sempre ouvimos dizer que a maioria dos financiamentos para pesquisa nos EUA vem da iniciativa privada: centros de pesquisa, indústrias farmacêuticas, caridade, empresas (Google) e milionários com o bolso aberto (Bill Gates). Apesar disso, o governo americano financia uma grande parte dos projetos de pesquisa com seus órgãos de fomento, como a NSF (National Science Fundation) e NIH (National Institutes of Health). O orçamento dos EUA para pesquisa científica desde 2002 varia entre 60 e 70 bilhões de dólares, mas em 2009, como parte de um pacote para recuperação da economia americana, houve um acréscimo de U$ 7.6 bilhões de dólares.

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Investimentos do governo americano em ciência por agência entre 1995 e 2014. Os valores são em bilhões de dólares. Vejam o acréscimo de mais de 7 bilhões no ano de 2009. (Imagem: Wikipedia)

Um exemplo de como esses investimentos surtiram efeitos se chama CRISPR (em português Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas), também conhecido como “Tesouras Genéticas” (mais informações no Fronteiras da Ciência e Dragões de Garagem #68). Agora nós podemos identificar uma sequência de DNA de interesse, cortá-la e colocar outra no lugar. Já testamos essa ferramenta de edição genética em microrganismos, peixes, insetos, plantas, ratos, macacos e até embriões humanos. Varias dessas pesquisas foram financiadas pelo governo americano e sabe o que ela gerou? Um produto. Que inclusive importamos para o Brasil e utilizamos em nossos laboratórios.

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Caixa de um dos produtos criados utilizando as tesouras genéticas. Só por curiosidade, essa caixinha custa 650 dólares. (Imagem: Invitrogen)

Investir em ciência significar investir em todas as outras áreas de forma indireta. A partir de pesquisas básicas com vírus desenvolvemos vacinas para várias doenças e impactamos a saúde pública brasileira. A partir de pesquisas básicas avançamos na exploração de petróleo, colocando o Brasil em uma posição de destaque entre os grandes exportadores do produto. A partir de pesquisa básica desenvolvemos linhagens mais resistentes de soja, conseguimos plantar em solos ácidos e aumentar a produção agrícola do Brasil. Ou seja, o MCTI influencia diretamente os Ministérios da Saúde, de Minas e Energia e da Agricultura. Agora, me diga: dentre esses ministérios qual o que tem menor orçamento? Sim, o MCTI.

O MCTI não é um ministério grande comparado com Saúde e Minas e Energia. O orçamento aprovado para 2016 foi de R$ 4.66 bilhões. Mas, desde o ano passado o MCTI vem sofrendo vários cortes no orçamento, o primeiro foi em maio de 2015 no valor de R$ 1.82 bilhão, depois ocorreram outros cortes menores e o último foi de R$ 1 bilhão, resultando em um orçamento final de R$ 3.578 bilhões. Mesmo com um orçamento pequeno, o MCTI tem sido fundamental para o desenvolvimento científico do Brasil, administrando órgãos como o CNPq, Agência Espacial Brasileira, Conselho Nacional de Energia Nuclear, institutos de pesquisa como o Laboratório Nacional de Luz Sincroton (LNLS), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e vários outros.

Linha do acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Sincroton (LNLS) localizado em Campinas. (Foto: Wikipedia)

Os convidados da audiência pública no Senado apresentaram esses e outros argumentos que são mais do que suficientes para justificar a importância do MCTI. A fusão do MCTI não resultará em economia de dinheiro e sim em perda de dinheiro. Os cientistas e senadores foram unânimes em afirmar que a fusão do MCTI com o Ministério das Comunicações foi um erro grave e que o presidente interino deve rever essa decisão. O presidente da CCT, Lasier Martins, indicou que levará os argumentos levantados na audiência para o ministro Gilberto Kassab, que será convidado para participar da próxima audiência.

Resumindo, a audiência foi o primeiro passo para trazermos de volta o MCTI. Os senadores que compõem a Comissão de Ciência e Tecnologia estão engajados nessa causa, os representantes dos principais órgãos científicos do Brasil (SBPC, ABC, Andifes) também e agora, precisamos nos mobilizar. Precisamos pressionar o governo interino e mostrar que somos importantes para o desenvolvimento do país.

Mais informações:

No Senado, cientistas reforçam repúdio à fusão do Ministério de CT&I

Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – Por que o Brasil não pode abrir mão de 31 anos de sua edificação?

foto luciano queiroz

 

Luciano Queiroz é co-criador do podcast Dragões de Garagem. Gostei tanto de ir à Brasília que voltarei lá mais duas vezes em junho. 😛