O editorial da Folha de São Paulo do dia 06 de dezembro, intitulado “Ciência possível” apresentou uma série de justificativas do por que devemos aceitar os cortes de orçamento das áreas científicas e utilizou indevidamente a missão Garatéa-L como exemplo para sustentar sua argumentação.

O que ficou evidente a partir desse editorial foi a opinião da Folha em relação aos investimentos em ciência, para eles, isso é apenas um luxo – just a fancy – que devemos cortá-los em momentos de crise, assim como cortamos uma ida ao cinema quando necessitamos economizar nossos salários. Em seguida, a Folha cria um raciocínio para o leitor, “Poucos irão sustentar que é preferível financiar um programa como o Ciências sem Fronteiras a manter os hospitais públicos funcionando”. Muitos irão concordar à primeira leitura da frase, mas vamos pensar por exemplo, no surto de Zika que estamos enfrentando.

Já sabemos que o vírus da Zika tem capacidade de transpor a placenta da gestante e infectar o feto ainda em desenvolvimento, causando uma série de problemas, sendo a microcefalia um dos mais importantes. A maioria de vocês irão sustentar que Zika e microcefalia são problemas de saúde pública e medicina. Entretanto, pensem que há dois anos o vírus Zika tinha uma distribuição muito reduzida e nunca haviam registrado casos de microcefalia resultantes da infecção. Então, como sabemos que o vírus Zika é o causador da microcefalia? Ciência, ciência brasileira! Investimentos que segundo a Folha não são necessidades básicas. Desculpe-me Folha, mas ciência está na base de tudo que consideramos como necessidade básica: tratamento e distribuição de água, medicamentos, vacinas, hospitais, transporte, tecnologias, defesa, agricultura, exploração de petróleo, conservação do meio ambiente, etc.

Outro ponto do editorial que desejo destacar é em relação ao redimensionamento dos nossos planos para adequá-los à nova realidade orçamentária. Concordo, os cortes são necessários e todas as áreas do governo sofrerão (exceto o judiciário, os militares, o legislativo, os grandes sonegadores de impostos. Sobrou alguém? Ah sim…). Apesar disso, dizer que tornar nossos projetos “mais enxutos e despidos de eventuais ambições descabidas” é dizer para todos que não devemos ter ambições. Alguém me define uma ambição descabida? Desejar que nosso país tenha capacidade de enviar um foguete próprio para o espaço ou que tenhamos um cientista brasileiro agraciado com um Nobel são ambições descabidas? Em minha opinião, não. Essas ambições são só o começo, só o começo para construirmos uma sociedade crítica e participativa, uma sociedade que contribua para o desenvolvimento do país e da democracia que desejamos.

A missão Garatéa-L é uma iniciativa de cientistas e empresas brasileiras em parceria com instituições de pesquisa como ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e USP (Universidade de São Paulo), além de instituições públicas e privadas internacionais para enviar um nanossatélite à Lua para realização de uma série de experimentos. A Folha a citou indevidamente só para justificar suas críticas ao Programa Espacial Brasileiro. Os dois projetos possuem naturezas distintas, o Garatéa-L é uma iniciativa desenvolvida por cientistas e as instituições são apoiadoras, o que explica o fato de eles terem buscado recursos e parcerias com instituições privadas. Já o Programa Espacial Brasileiro é uma política de estado, por isso é evidente que os investimentos seriam muito mais elevados do que da Garatéa-L. A Folha ainda afirma que nosso programa espacial colheu mais fracassos do que sucessos, mas as falhas fazem parte da ciência, ou vocês acham que o primeiro foguete lançado pela União Soviética já estava com o Yuri Gagarin a bordo?

Como disse antes, fazer a nossa ciência ser grande é uma ambição real e necessária ao Brasil. Talvez a Folha não saiba, mas está acontecendo uma nova corrida espacial entre China, Índia e empresas privadas. Ser relevante neste cenário não é um luxo, é uma questão de soberania, de demonstrar para o mundo que a ciência brasileira é capaz. O Garatéa-L pode ser o primeiro passo para alcançarmos essa ambição.

Não podemos fazer ciência quando for possível, devemos fazê-la sempre, ciência é uma necessidade, não um luxo. Espero que em um futuro breve nossa sociedade passe a ver a ciência dessa forma, pois já ficou evidente que investir em ciência é uma etapa necessária para o desenvolvimento de qualquer país.

foto luciano queiroz

 

Luciano Queiroz é co-criador do podcast Dragões de Garagem. Esperando ansiosamente pelo resultado do processo seletivo para o doutorado.

 

Mais informações:

O cientista-chefe da missão brasileira à Lua explica o que faremos por lá – Revista Galileu

Grupo anuncia projeto para lançar a primeira sonda brasileira à órbita da Lua – Texto e vídeo do jornalista Salvador Nogueira para o Mensageiro Sideral

Imagem: Site oficial da missão Garatéa-L www.garatea.space