Nosso querido ouvinte Luan Glasser (@luanglasser) nos enviou um e-mail repleto de informações complementares ao nosso episódio #105 – Mecânica do Vôo e infelizmente não conseguimos lê-lo por completo na leitura de e-mails. Como não queríamos perder tais informações o convidamos a transformar seu e-mail em um texto e postá-lo em nosso site. Então, segue o texto. Esperamos que gostem.

Blueprint de um foguete do Coiote dos Looney Toones

Vitrine do episódio #105 – Mecânica do Voo

Por que ler este texto?

Neste texto, discutiremos o conceito de força de sustentação e a maneira como ela é gerada. O objetivo é explicar o fenômeno físico que leva um avião a voar, tentando exemplificar esses conceitos que definitivamente não são muito intuitivos.

O que é um avião?

É interessante que a gente defina melhor o que é um avião para aprofundarmos a discussão e entendermos como ele voa. Um avião é um veículo construído, basicamente, com uma fuselagem, com asas e com empenagem.  A fuselagem é o corpo do avião, que segura as asas e a empenagem, motores, trens de pouso, pessoas, malas etc. As asas servem para gerar a força de sustentação, que fará o avião voar. E a empenagem, as “asas” que ficam na cauda, estabiliza o voo. Abaixo segue uma figura que mostra alguns detalhes da estrutura de um avião:

Estrutura de um avião com destaque para as asas, fuselagem e empenagem.

Essa figura mostra um avião bimotor de pequeno porte. Nela, podemos observar alguns componentes estruturais dentro da fuselagem, da asa e da empenagem. De maneira geral é nessa conformação estrutural que um avião é projetado, seja um pequeno como o da figura ou um “grandinho” como o Antonov. Fonte (adaptada): Megson, T. H. G. Aircraft Structures for Engineering Students, 4ª ed., 2007.

Como é o processo de voo?

Quando pensamos em voo, falamos de qualquer movimento que ocorra sem contato com uma superfície. Por isso, aviões, foguetes, satélites e submarinos (e planetas, viagem minha, mas por que não?) são veículos de voo. Para que uma coisa parada passe a se movimentar, é necessário que seja aplicada alguma força sobre ela. Com o avião não é diferente. Para ele ir para cima, é necessária uma força para cima: força de sustentação. Para ir para frente, é necessária força para frente: força de tração. O ar que atrapalha o movimento do avião gera uma força chamada de força de arrasto, que vai contra o movimento da aeronave. E a força peso atua o tempo todo sobre o avião, pois ele tem massa e está dentro do campo gravitacional terrestre.

Sabendo que existem essas forças, no caso do avião, o processo de voo acontece assim: (A) o avião ganha velocidade para a frente, impulsionado pela força de tração; (B) ao ganhar velocidade, o ar escoa rápido em relação às asas; (C) ao escoar rápido em relação às asas, o contato ar-asa gera força de sustentação e quando essa é maior que o peso o avião decola. Essa explicação mostra o passo a passo do processo que faz o avião voar, mas não explica o porquê de essa força ser gerada. É isso que faremos ao longo deste post.

Tapando a mangueira e soprando em cima da folha.

Queremos entender como a força de sustentação é gerada, certo? Dois conceitos vão nos ajudar a chegar lá e, para entendê-los, vamos fazer dois experimentos.

Experimento 1 – Lei da Conservação de Massa: levante-se e vá até uma mangueira (se não tiver, pode ser a torneira da pia), abra-a e observe o escoamento de água. Agora, coloque o dedo de forma a tapar metade do buraco por onde a água sai. O que aconteceu? Saiu mais água? Aumentou a pressão? Na verdade, não. Quando você tapou metade do buraco, diminuiu o espaço livre que a água tem para escoar. Mas a vazão da mangueira (ou torneira) não diminui, a massa de água que flui para fora tem que ser a mesma, com ou sem o dedo tapando. A única forma da mesma quantidade de água continuar saindo, com menos espaço para passar, é o líquido sair com maior velocidade.

Experimento 2 – Princípio de Bernoulli: levante-se de novo e pegue uma folha de caderno ou sulfite ou papel higiênico, tanto faz. Eu espero. Pegou? Segure os cantos da folha e leve-a à altura do seu queixo. Sopre com força, de forma que o ar passe rápido sobre a folha. O que acontece? Você notará que a folha vai subir, se fizer o experimento corretamente. A explicação disso é que para que um fluido (ar) escoe (do seu pulmão para frente) é necessária uma diferença de pressão da origem para o destino do escoamento. Isso é uma via de duas mãos: um fluido com velocidade gera uma redução de pressão na região por onde ele passa; e uma queda de pressão numa região faz com que o fluido escoe para ela. Então, ao soprar a folha, a pressão em cima dela fica menor que embaixo dela. Ou seja, sobra pressão embaixo, empurrando a folha para cima. A consequência é a folha se erguendo.

Como a força de sustentação é gerada?

É interessante o conceito de aerofólio para seguirmos a discussão e entendermos como a força de sustentação é gerada. O aerofólio é esse contorno da asa, arredondado na frente e pontudo atrás. A figura abaixo mostra algumas de suas definições:

Imagem com detalhes da asa

Essa figura mostra uma estrutura de asa, um aerofólio e um modelo de asa desenhado de maneira simples. Veja algumas definições da nomenclatura de aerofólios: corda, curvatura, espessura, bordo de fuga e de ataque. Fonte (adaptada): (1) Anderson Jr., J. D. Fundamentals of Aerodynamics, 3ª ed., 2001. (2) Burr, K. P. Notas de Aula do Curso de Aerodinâmica. Disponível em: https://sites.google.com/site/aerodinamica1karl/. Acessado em 23/05/17.

O aerofólio deve ser inclinado em relação à horizontal, num ângulo chamado ângulo de ataque. Agora vamos imaginar camadas de ar escoando sobre ele, como mostra a figura abaixo, na qual cada linha representa uma camada de ar. Logo explicaremos o que significam as zonas de baixa e alta pressão.

Imagem com detalhes do vento passando sobre a asa do avião. Destaque para a baixa pressão exercida na parte superior da asa e a alta pressão na parte inferior.

Essa figura mostra um esquema de aerofólio e as camadas de ar escoando no seu entorno. Acima podemos ver a região de baixa pressão e, abaixo, a de alto, cuja diferença é responsável pela força de sustentação. Fonte (adaptada): disponível em: http://large.stanford.edu/courses/2007/ph210/glownia2/images/f3big.gif. Acessado em 23/05/17

Perceba na figura: a parte de cima é mais alongada que a parte de baixo, de forma que, para o ar percorrê-la, a distância é maior. Quando se encontram, o ar começa a contornar o aerofólio. Só que enquanto a camada que começa a subir contorna a parte de cima da asa, as camadas de superiores atrapalham a subida. É a mesma ideia que vimos quando falamos da água saindo da mangueira. De certa forma, as camadas superiores de ar funcionam como o dedo na ponta da mangueira, diminuindo o espaço livre que o ar que sobe a asa tem para passar. Então o ar que subia a asa, agora, acelera na direção da parte de trás do aerofólio. Essa explicação tem sua fundamentação científica na mecânica de fluidos, especificamente na Lei de Conservação de Massa. A pesquisa aprofundada fica para os curiosos.

Comentamos que um fluido se move para a região onde a pressão é menor. Isso quer dizer que quando você sopra, seus pulmões pressionam o ar para fora. Ou que quando um pistão de carro abre a válvula de exaustão, o gás de queima comprimido ali dentro é “soprado” para fora, pelo escapamento, onde a pressão é menor. Quando o ar escoa mais rápido sobre a parte superior da asa, portanto, a pressão ali é menor que de onde o ar vem e que na parte inferior da asa, como foi mostrado na figura acima. Temos aí uma diferença de pressão, isto é, sobra pressão empurrando a asa para cima. E se sobra pressão empurrando a asa para cima, da mesma maneira que acontece com a folha, no experimento que fizemos, sobra força para cima. Essa força que sobra é a de sustentação, essa é a maneira como ela é gerada. Como as asas estão fixas à fuselagem, o avião se eleva do chão e temos o voo. Essa explicação é baseada no Princípio de Bernoulli, cujo aprofundamento também é deixado aos curiosos.

Neste post, demos apenas uma pincelada na área de mecânica de voo, retratando a física que envolve a força de sustentação. Tem muito mais que não foi falado. Esse é, sem dúvida, um assunto amplo e que pode ser muito interessante. É um campo completamente multidisciplinar, que envolve as áreas de propulsão, controle, estabilidade, programação, materiais, matemática, física. E é interdisciplinar, pois há troca de conhecimento entre todas essas áreas, fornecendo ótimos focais de tempo para profissionais, estudantes, amadores e curiosos, sendo possível desenvolver muita coisa legal. Basta ter interesse e dispor de algum tempo para aprender.]

Luan Glasser (@luanglasser), bacharel em ciência e tecnologia pela UFABC, quase engenheiro aeroespacial e fogueteiro experimental.