Tenho aproveitado os primeiros momentos das minhas atividades diárias para a leitura. Mas não leituras vinculadas ao meu trabalho ou às minhas pesquisas, e sim livros de outros campos. Essa atividade me consome de meia hora a quarenta minutos. Entretanto considero extremamente saudável tanto para a minha atividade laboral como pessoal. Nas últimas semanas li dois livros que me chamaram bastante a atenção. São livros que abordam a mesma temática de maneira complementar, e que me fizeram pensar um pouco sobre as minhas atividades e minha função social. O primeiro livro é “Políticas de educação superior norte-americanas” de Juliana do Couto Ghisolfi, e o segundo “A universidade no século XXI” de Boaventura de Sousa Santos, ambos da editora Cortez.

Politicas de educação superior

A principal mensagem que podemos extrair dessas leituras é a evidente transformação da educação em um recurso monetário estratégico. O pior que nem se trata de uma utilização para o desenvolvimento social, gerando empregos ou novas tecnologias, o que por sua vez tem um retorno financeiro. A utilização que me refiro é o enfraquecimento das instituições educacionais já estabelecidas em uma região para a criação de sucursais de universidades externas, com a promessa de oferta de qualidade de ensino. Esse processo leva a dois panoramas preocupantes que todos nós devemos prestar atenção, a banalização do ensino (em qualquer forma, técnico, científico ou pedagógico), e a exclusão ostensiva no ensino superior das camadas menos favorecidas financeiramente.

A universidade no seculo XXI

A banalização que me refiro aqui é a perda do principio norteador da ciência (e todos os campos do ensino) como preconizado por Spinoza (e mais recentemente por Henri Atlan) que seria um instrumento de liberdade humana, pois o acúmulo cada vez maior de conhecimento nos permite mais escolhas e compreensão das causas de nossas ações. Esse princípio é substituído por algo mais mesquinho, que é única e exclusivamente o uso da educação como fonte de renda para grupos reduzidos da sociedade, pouco se importando com a verdadeira essência da educação. Quando exponho isso, não estou afirmando que a educação deva ser uma tarefa exclusiva do estado, já que também não acredito em um estado paternalista que deva suprir todas as necessidades do cidadão, fenecendo de tal forma a livre iniciativa dos indivíduos. O ponto que me refiro é um maior rigor para todas as instituições, tanto privadas como públicas, de forma que a educação não seja tratada como mercadoria e sim um direito universal, para o desenvolvimento tanto pessoal como social. A exclusão social do ensino é mais fácil de entender, uma vez que sendo a educação um produto negociável, apenas terão acesso àqueles que conseguirem pagar.

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Mas de quem é a culpa? Seria fácil apontar dedos. Isso o ser humano é mestre, quando tem alguma dificuldade, logo busca culpados se isentando da responsabilidade. Entretanto, a culpa é da própria instituição Universidade. Pergunte para alguém que nunca estudou no ensino superior o que é feito nas universidades. Talvez você consiga uma resposta, mas o mais provável que ouça é um “não tenho a menor ideia”. Nesse caso, como esperar que a sociedade dê importância para algo que nem ela sabe o que é. Dessa forma, qualquer deliberação política ou econômica com relação à Universidade e ou ensino superior não importa para as pessoas, já que para seu “status quo” não mudará nada mesmo. Quando criamos os portões e os muros nas universidades (qualquer que seja) não apenas nos protegemos das ameaças exteriores, mas também perdemos o nossa maior protetora que é a sociedade. A educação e a ciência devem estar presentes na sociedade como serventes, não somente para possibilitar o engrandecimento da humanidade, mas para permitir que essa jornada de construção de conhecimento se perpetue.

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Por isso vejo uma importância grande na divulgação científica. As pessoas têm direito de saber o que é feito nas universidades, e os cientistas tem o dever de apresentar aquilo que construíram na obra conjunta da humanidade (parafraseando Proudhon). Talvez a maneira mais coerente de vermos nosso trabalho ser respeitado pela sociedade é chamando a mesma para participar da construção do conhecimento gerado nas instituições de ensino superior. Mesmo que não queiram participar, ao menos que tenham a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento dessas atividades. Assim as pessoas conseguiriam ter um vislumbre de que o processo da construção científica não deve ser encarado como uma tarefa solitária e individual, onde os louros caiam sobre uma pessoa, e sim uma construção coletiva feita pela humanidade para a humanidade.

Bruno Spacek, professor adjunto da UFPA e atualmente quebrando a cabeça para ajudar na divulgação científica.