Nos primeiros dias do ano me sentei à mesa, peguei minha agenda do ano anterior e listei as coisas mais importantes que fiz em 2015. A lista ficou grande e eu fiquei satisfeito.

O ano de 2015 não foi fácil, passei por várias mudanças pessoais. Terminei o mestrado em São Paulo e voltei a morar em Goiânia com a minha família para começar a planejar meu doutorado. No entanto, a medida que o tempo passava, eu me deparava com mais e mais dificuldades advindas do cenário político nacional. Cortes de orçamento, mudanças de ministros, carta “vazada” do nosso Vice Presidente (agora Presidente de forma interina) e um impeachment a vista. Eu sinceramente esperava que 2016 fosse um ano ruim, mas não tanto. Ainda mais pensando na ciência brasileira.

Aldo Rebelo passando o cargo de Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação para Celso Pansera. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por que está sendo tão ruim? Em ordem cronológica: Zika e microcefalia, Fosfoetanolamina, H1N1, Licenciamento Ambiental, um pastor como Ministro de Ciência e Tecnologia e uma provável fusão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério de Comunicação.

Alguns dos problemas listados não possuem relação direta com a crise política que enfrentamos, mas o combate e a busca por uma solução, sim.  Os primeiros casos de Zika foram registrados em maio de 2015. De lá para cá esse número cresceu absurdamente e, junto a ele, os casos de microcefalia (escutem nosso episódio #76 para mais informações). Depois surgiu a fosfoetanolamina ou a “Pílula do Câncer”, um composto testado pouquíssimas vezes para a função de combate a alguns tipos de câncer e distribuído de forma irresponsável e criminosa para pessoas desesperadas. Como se já não estivesse ruim, alguns deputados federais criaram um Projeto de Lei (PLC 3/2016) para autorizar a produção e distribuição desse composto sem a necessidade de aprovação pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Esse projeto foi aprovado na Câmara, no Senado e sancionado pela Presidência em questão de semanas, abrindo assim um precedente perigoso no controle e regulação de remédios distribuídos para população brasileira.

Quando menos esperávamos, quando tudo já estava ruim, o H1N1 volta. Já foram registradas 411 mortes relacionadas às complicações da infecção pelo vírus H1N1. Com isso a procura pela vacina, que em 2010 foi acusada de causar a gripe, aumentou de um dia para o outro, formando filas nos postos de saúde e lista de espera em clínicas particulares.

No que tange as questões ambientais, a legislação ambiental brasileira foi amassada, pisada, rasgada e queimada depois da aprovação do Projeto de Emenda à Constituição (PEC 65) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.  Essa PEC simplifica o processo de licenciamento ambiental a um estudo de impacto ambiental simplificado apresentado previamente ao início de uma obra, não sendo mais necessária a realização das três etapas do processo de licenciamento.

Como se já não estivéssemos com muitos problemas, o futuro governo está entregando os ministérios para seus apoiadores. Como vocês sabem, no Brasil, Ciência, Tecnologia e Inovação “não são importantes”. São umas coisas aí que um americano inventou só para gastarmos dinheiro, esse ministério não precisa de alguém bom, alguém especializado, vamos entregá-lo para o pessoal daquele partido que nos apoiou. E é assim que, muito provavelmente, o MCTI iria para as mãos do Marcos Pereira, pastor licenciado da Igreja Universal. Iria porque parece que a reação da comunidade científica fez o Michel Temer voltar atrás. Mas, reforçando a ideia de que o MCTI não é importante, o Temer anunciou que deve fundí-lo com o Ministério de Comunicação.

O Brasil está em um momento complicado, “A crise” não vai passar tão rápido e nós cientistas estamos sofrendo na pele. Mas o Brasil sobreviverá, nós sobreviveremos e amanhã, continuaremos fazendo nossa ciência, com ou sem apoio porque somos apaixonados pelo o que fazemos. Entretanto, temos que mudar nosso comportamento, temos que ser politicamente mais ativos, participar das decisões políticas que nos influenciam ou influenciam a população brasileira. Sim, nós cientistas, assim como todos os demais seres humanos, somos seres políticos em essência e, como tal, não podemos nos abster de exercer nosso papel na tomada de decisões daquilo que nos afeta. Sejamos POLÍTICO.

Os momentos de crise sempre nos ensinam muito, desde 2013 venho amadurecendo meus conceitos sobre democracia, sociedade, ciência e participação popular. E agora, mais do que oportunamente, decidi participar ativamente da política brasileira. Espero que muitas outras pessoas bem intencionadas também entrem nessa jornada, pois temos uma nação a construir.

 

Luciano Queiroz é criador do podcast Dragões de Garagem. Não tenho mais preocupações com o mestrado, mas em compensação agora… eu não sei o que vem pela frente.